quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Areia Branca, Finalmente



Maureen Flores

Se você não mora em Mossoró(RN), há duas maneiras de se chegar a Areia Branca, todas de carro. Uma a partir de Fortaleza , percurso que fiz há muito tempo mas que ouvi dizer que está bom. A outra a partir de Natal, trajeto que cumprimos recentemente sem sobressaltos rodoviários e com olhar atento na beleza da caatinga que forma um manto dourado nessa época do ano.

São 4.00hrs de estrada de mão dupla, um retão . A parada para banheiro e refrescos é boa mas oferece uma daquelas experiências sociológicas que só pode ser vivida nesse Brasil-De-Meu-Deus , ou naqueles outros tantos países que o Banco Mundial insiste em coroar como o Reino dos Desiguais. O restaurante é grande e o dono, caprichoso, construiu banheiros com blindex, torneiras foto-sensíveis e outros materiais surpreendentemente caros para aquela região. Como consequencia, a população do entorno visita o banheiro do lugar para conhecer uma descarga e uma torneira que funciona sem toque. Ou como as senhoras locais a define "a bica que num torce". Ninguém me contou , eu vi!.

Prosseguimos nossa viagem e, aproveitamos para conversar um pouco sobre as questões sociais no Brasil mas como romance não combina com depressão mudamos de assunto e rimos muito assim que escutamos no rádio um forró que dizia "entre minha muié e meu jegue , fico com meu jegue que me carrega nas costas e num gasta meu dinheiro ". Sabedoria masculina diriam os machistas brasileiros ou os do mundo inteiro caso o jegue seja substituido por uma Ferrari.
O grande espetáculo de Areia Branca é o encontro do sertão com o mar . Você vem passeando de carro tranquilamente, vendo a caatinga, o mandacaru e de repente .... do nada..... as falésias e o mar. Barbáro.

Só há um hotel decente em Areia Branca , o resto são pousadinhas , ou melhor puxadinhos , que são perfeitos se o seu espiríto for de aventureiro. O dono do hotel , que infelizmente não conheci, me pareceu ser algum sobrevivente da rebordosa dos anos 70 dado a preferencia pelas poesias de Paulo Leminsky, a obrigatoriedade de silêncio e a bossa nova/MPB tocando ao fundo, nada contra. O serviço é correto, os quartos bastante agradaveis, a comida honesta.

Como o hotel fica no alto da praia, no topo da falésia, 10 metros de altura talvez, de dentro da piscina pode-se ver toda a praia ligando a caatinga ao mar sem interrupção.

Lugares romanticos nao faltam. Quanto fui a praia , desci pela vila e andei 2 quilometros sem ver viva alma. Um paraíso. Pela manha, pequenas lagoas de aguas transparentes ; a tarde, a mare cheia caminha ao lado da faixa de areia.

Para os mais animados , `a noite , com o mar prateado, há forro na vila. Como dançar coladinho é sempre uma grande pedida, meia duzia de músicas podem eternizar qualquer romance.
De acordo com o pessoal da terra, o melhores locais para namorar são:

os bancos do hotel na pontinha da falésia
o cantinho da piscina onde nao ha mureta e a vista iguala o ceu, o mar e os corações apaixonados
as dunas do rosado, onde o areal se encontra com o mar
a gruta proxima ao hotel , onde os namorados do local gravam seus nomes na pedra

Areia Branca não chega a ser um daqueles lugares para iniciados mas é lindo e deve ser visto agora antes que mude muito .

Em homenagem ao ousado proprietário que construiu bom hotel na curva que o agreste faz com o mar, deixo para nossos leitores uma das poesias do Leminsky . Quem sabe nao tenha sido essa a fonte inspiradora desse empresario ?

Bem no Fundo (Paulo Leminsky)


No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

O Globo on-line, 26/11/2006

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